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TORCEDOR ALÉM-MAR

As estratégias dos clubes europeus para conquistar torcedores no Brasil

Por Amanda Ariela, Barbara Saryne, Beatriz Riuli,  Cláudia Machado, Guilherme Padim e Melissa Gargalis
Foto: Cláudia Machado

A explosão da comemoração no momento do apito final é algo único. Ajoelhada na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro, e sentindo a fresca brisa que espalhava os grãos de areia sobre sua camisa vermelha, Rayssa levou as mãos para cobrir o rosto, de forma a esconder as lágrimas e isolar-se da euforia que despertava nas pessoas ao seu redor. Era a emoção de uma menina de 12 anos ao ganhar uma partida de futebol. “Meu sonho é jogar futebol, vestir a camisa de algum clube, ir para a seleção. Sou zagueira, mas sou muito fã da Marta”.

Naquele 10 de abril, outro sonho da garota acabara de se tornar realidade. Enquanto todos gritavam e se abraçavam, Rayssa ainda se levantava, desnorteada, tentando entender tudo o que acontecia. Não foi só uma vitória em um campeonato 3x3. Ela acabara de ganhar a chance de viajar para a Inglaterra e conhecer seu time do coração. Fã do Manchester United desde criança, o triunfo não seria apenas um passeio, mas a chance de acompanhar uma partida no lendário estádio Old Trafford, em Manchester.

Com os olhos marejados, Rayssa contou como começou sua paixão pelo clube inglês, “Sempre joguei futebol, desde os meus sete anos. Minha mãe dizia que eu pegava a bola e ficava chutando na parede desde pequena. Mas, por causa dos jogos que passam na TV, comecei a acompanhar jogos de futebol internacional. Via o Manchester United, o Barcelona, o Real Madrid, e acabei gostando do estilo de jogo. Escolhi o Manchester porque tem jogadores que eu gosto e me identifico”.

Tomada de alegria, a menina resume o sentimento de ser da equipe vencedora ganhadora do evento I Love United, organizado pelo clube inglês no Brasil.

“Não tenho nem palavras para descrever o que estou sentindo”.

Em uma das estratégias para se aproximar e conquistar torcedores brasileiros, o  Manchester promoveu em abril deste ano o evento "I Love United" em Copacabana.

Torcida globalizada

A alegria de Rayssa frustrou a esperança de dezenas de outros torcedores do Manchester que também estavam em Copacabana naquele dia. O sonho da garota é o mesmo que o de muitos brasileiros: ver uma partida de seu time de futebol. Para quem torce para clubes nacionais esse não parece um sonho tão difícil de realizar. Mas para torcedores de clubes estrangeiros o sonho fica bem mais distante. E isso tem se tornado mais comum, já que alguns clubes europeus tem se empenhado em conquistar torcedores fora de seu país de origem.  

Desde de que o futebol virou um negócio, os clubes buscam alternativas para aumentar a receita. Até alguns anos atrás a principal estratégia era buscar patrocínio, vender espaço na camisa, espaço no estádio, campanhas publicitárias para outras marcas. A paixão do torcedor era a moeda de troca entre o clube e seu patrocinador. Porém, nos últimos dez anos essa estratégia tem mudado, Irvin Rein e Philip Kotler já cantaram essa bola em 2006 no livro Marketing Esportivo, ao se referir às mudanças na gestão do Manchester United da Inglaterra: “O CEO David Gill representa um novo tipo de executivo da área do esporte que fala a ‘linguagem da folha de pagamentos e da cotação das ações, e vê os clubes como marcas, os jogadores como ativos, os torcedores como clientes e lugares distantes como mercados”’.

Seguindo o exemplo do United, outros clubes europeus mudaram o foco da gestão pelo resultado para criar uma “cultura”, um universo que envolva o torcedor, colocando o clube como a marca a ser vendida. O clube passou a ser o produto e os torcedores os consumidores diretos. E nessa disputa pelo coração dos loucos por futebol, os grandes times ergueram os olhos para o resto do mundo, e perceberam o potencial para expandir sua marca. Afinal, paixão não tem fronteira, quando se ama não tem distância que possa separar o sentimento, como declara Rafael Almeida “Eu torço para o Tottenham já tem 13 anos e eu nunca tive oportunidade de ir para um evento grandioso. Estou desde 2003 torcendo e é a primeira vez que a gente realmente almeja alguma coisa”, o carioca de 28 anos torce para o Tottenham Hotspur de Londres.  

A popularização da internet, da TV à cabo, bem como a imigração de jogadores brasileiros para outros países, principalmente europeus, esta fazendo o brasileiro acompanhar mais de perto e com mais entusiasmo as ligas internacionais.  Essa empatia facilita a “invasão” dos times europeus no imaginário dos brasileiros, os clubes estrangeiros ganham espaço no coração dos nossos torcedores. Esse movimento, intensificou-se ainda mais nos últimos anos com o crescimento do volume de jogos transmitidos da UEFA Champions League e todas as Ligas domésticas europeias.  Dando mais visibilidade para as partidas internacionais, em relação ao futebol nacional. Hoje até a TV aberta transmite jogos das ligas do exterior, fazendo o torcedor viajar quilometros pelas ondas de transmissão.

Geração Playstation

Nesses tempos em que os “likes” repepresentam status e legitimação, o especialista em marketing digital no esporte, Fernando Martinho, analisa o alcance das páginas dos clubes no Facebook. Ele mostra como os clubes europeus estão ‘tomando’ o espaço das equipes nacionais. O Corinthians lidera o ranking com 10,3 milhões de fãs no Brasil. O Flamengo é o segundo com 9,9 milhões e o São Paulo o terceiro com 6 milhões. As três maiores torcidas ainda não foram ultrapassadas, mas correm sério risco, isso porque o quarto clube com mais curtidas no Facebook no Brasil é o Barcelona com 5,6 milhões e o quinto o Real Madrid com 5,1 milhões. Na sexta posição o Palmeiras com 3,5 milhões, na sequência PSG com 3,2 milhões, Vasco da Gama com 2,6 milhões, Cruzeiro 2,5 milhões, Chelsea 2,4 milhões e Manchester United 2,2 milhões.

Esse interesse pelos clubes estrangeiros começa com o videogame, a imersão dos games na geração que já ficou conhecida como “geração PlayStation”. Foi essa a ferramenta que os times utilizaram para iniciar o contato e ganhar adeptos de outros países já na infância.Os jovens crescem jogando com Barcelona, Real Madrid, Manchester no videogame e vão se acostumando à esses nomes. O resultado é  o que demontra pesquisa do Ibope Repucom, em que 69% dos internautas brasileiros de 16 a 24 anos torcem para um clube europeu. Em uma navegada rápida no youtube é possível encontrar dezenas de canais sobre jogos de futebol, são os conhecidos “fifeitros” que habitam a internet e contribuem para alimentar esse universo em torno do esporte.

 

O youtuber Vinícius André, do canal Fifalizefaz tutoriais sobre o jogo e participa de competições nacionais e internacionais de futebol virtual. Vinicius faz parte da geração que já vê com naturalidade essa tendência de torcer para clubes estrangeiros, “Hoje o mundo esta muito globalizado, tem pessoas no nordeste que torcem para Flamengo, São Paulo, é só uma expansão neste sentido. Hoje você tem um futebol de muito mais qualidade fora do Brasil, então é normal que as pessoas passem a acompanhar esses times de mais sucesso”.   (inserir audio do VInicius) Já o jornalista esportivo Jorge Nicola vê com tristeza esse cenário, “Várias crianças têm crescido mais fãs de times europeus do que brasileiros. Isso pode gerar no futuro um desinteresse pelo produto nacional.Não será bom se tivermos menos gente indo aos estádios, menos gente vendo jogos pela TV, consumindo produtos de times brasileiros”.

 

A barba cheia,  olhos grandes e negros desenhados num arqueado peculiar. Ali Baalbaki, pelas características físicas e pelo nome, entrega que está no Brasil por acidente. Nascido no Líbano, o rapaz de 25 anos destaca-se entre os brasileiros que estavam no evento “I Love United” no Rio de Janeiro. Ali é um exemplo da globalização do futebol. Ele veio para o Brasil ainda cedo, ainda criança, e apesar de ser fã de futebol desde pequeno ele não torce para nenhum time brasileiro ou do Líbano. Ali escolheu o Manchester United, da Inglaterra.

Assim como no Brasil, uma das grandes paixões do povo libanês é o futebol. Mas, as guerras que afetam a região, atrapalham o desenvolvimento de uma uma liga forte e significativa, o país não consegue nem participar da Copa do Mundo. Isso faz com que os povos do Oriente Médio busquem suprir essa ausência com clubes da Europa. Por isso os times europeus investem dinheiro e energia para se fazer presentes em países como Líbano, Índia e região. O publicitário Thiago Junqueira, trabalha com marketing esportivo na empresa que organizou o evento “I Love United” e comenta uma das estratégias do clube, “as TVs da Inglaterra vendem os direitos de imagem para as TVs de outros países. Então os indianos, os chineses, pessoas da Asia, da África, tem oportunidade de assistir. São lugares que tem ligas mais fracas e se gostam do United, por razões diversas, pela cor, pelos jogadores, seja pelo que for, acabam torcendo”.

 

No caso de Ali Baalbaki, a razão foi uma camisa que recebeu do primo quando tinha 10 anos. Era a camisa de David Beckham. O jogador que viria a ser reconhecido em todo o mundo não apenas pelo seu nome, como pelo seu rosto, seu futebol e seu símbolo. Beckham não era apenas um meio-campista do Manchester United. Ele era ídolo de milhões de pessoas. Dentre elas, o então menino ‘libanobrasileiro’ Ali Baalbaki.

Os ídolos são outra ação de marketing para os clubes. Os grandes jogadores são importantes para o time ter alto desempenho no jogo e conquistar títulos. Mas também são importantes para os clubes divulgarem sua marca. A identificação com um craque é essencial para o clube personificar sua marca, atrair mais torcedores e vender artigos relacionados à esse atleta. é vendo-os em campo que os torcedores vibram. Cleber Oliveira,  por exemplo, nem se lembra quando começou a torcer para o Real Madri, “comecei a torcer para o Real Madri desde moleque. Não sei nem quando exatamente. Mas o que me marcou mesmo foi a época do Zidane, Ronaldo, esses caras ‘mitavam’ demais”.

O fenômeno barcelona entre os brasileiros começou com famoso Ronaldo, conhecido por seu talento nos pés, mas também pelo penteado que virou frebre entre os garotos. Em 2015 o  time espanhol foi considerado pelo IBOPE Repucom o time mais amado pelos brasileiros. Dado que se confirmou com a nossa enquete do mês passado, confira no gráfico ao lado. Hoje muito se deve  à outro fenômeno: Neymar. A página oficial do Barcelona no Brasil já deixa clara essa isca, o craque é quase onipresente no site. O brasileiro Daniel Alves  também aparece em diversas fotos, lembrando ao visitante como os brasileiros estão presentes no time. 

Sua  ‘seleção de estrelas’, inclui não só o craque brasileiro, mas outros grandes nomes do futebol como o argentino Messi e espanhol Piqué. Ou seja jogadores de alto nível internacional fazem parte do time, o poder que essas estrelas tem dentro de campo faz diferença no resultado e fora dele atrai o interesse e a admiração dos torcedores, que ao torcer por seus craques passam a torcer para o clube. “O interesse dos jovens pelos times europeus vem crescendo consistentemente nos últimos anos e se deve, principalmente, à presença dos melhores jogadores do mundo nos campeonatos do Velho Continente, ao crescimento da cobertura do futebol europeu pela mídia brasileira e ao aumento do número de assinantes de TV paga no Brasil”, afirma José Colagrossi, diretor executivo do IBOPE Repucom.

Mas as estratégias do Barcelona vão além dos craques. Em sua última ação de marketing o clube convida os fãs brasileiros a montarem times e conquistarem mais seguidores nas redes sociais. Os torcedores estão então indiretamente promovendo o clube. Os ganhadores terão a "honra" de disputar uma partida no Camp Nou, estádio do Barça. E existe lugar melhor para um torcedor do que o estádio de seu time?

Mas além do potencial de marketing do clube, o time tem alcançado grandes números por cona do bom momento que vive no futebol, sempre conquistando títulos e chegando a finais de competições relevantes, como é o caso da UEFA Champions League.

Ainda de acordo com a pesquisa, após o Barcelona, que lidera o ranking de adeptos brasileiros, aparece o também espanhol,  Real Madrid, com o apoio de 11,9% dos internautas. Manchester United, Chelsea e Bayern de Munique completam o Top , com 6,1%m 4,6% e 3,4%, respectivamente.

O FENÔMENO BARCELONA

O futebol é um negócio, o clube é um produto e o torcedor é o consumidor. Uma vez decifrada a formula mágica que recicla o espírito do esporte, abre-se espaço para a inovação do conceito de torcedor. Graças à evolução da tecnologia e à exposição das redes sociais, torcedores conseguem uma proximidade virtual com seus idolos, consegue acompanhar em tempo real o que acontece com os jogadores pelo Instagran, Facebook, Twitter e se tiver sorte pode interagir com eles. Mas há torcedores que não se contentam apenas em observar. Eles querem fazer parte do clube. Na falta de informação traduzida encontram uma brecha para representar esse papel. Mais do que acompanhar o clube, o novo torcedor quer ter o seu clube. Não basta torcer e apoiar. O amor vira negócio. É uma necessidade de ter o reconhecimento do clube para chamar de ‘meu time, meu técnico, minha torcida’. 

Daniel Martins é um dos pioneiros neste pensamento no Brasil. O gaúcho é torcedor do Manchester United e aliou o seu amor pelo clube à vontade de fazer algo que pudesse unir os fãs do clube no Brasil. A ideia, no começo, era simples: fornecer ao torcedor brasileiro um conteúdo qualificado sobre o Manchester United em português. O projeto nasceu com a criação de um site chamado ManUtd BR  (Manchester United Brasil). Depois de mais de dez anos de muito esforço e empreendimento, Daniel viu seu site crescer a ponto de ser oficialmente reconhecido pelo Manchester United.

“A princípio, o ManUtd BR era um site de fãs para fãs. Ainda é, mas agora somos o primeiro site oficial do clube no Brasil. A ideia é estar próximo do clube e trazer o melhor conteúdo para os torcedores brasileiros que acompanham o United”, afirmou o fundador do clube de fãs, explicando também como surgiu a ideia de criar o site: “ Além do amor pelo clube, queríamos fazer algo mais profissional. Queríamos ter uma base similar ao site do clube e poder crescer no cenário nacional. Conseguimos bom reconhecimento com rádios, jornais, emissoras de TV, sites de esporte. Hoje somos referência oficial do clube no Brasil”, concluiu.

Essa iniciativa dos torcedores ajuda a alimentar o fluxo de informação sobre os clubes. Mesmo com a cobertura dos campeonatos crescendo em canais fechados, os torcedores de clubes estrangeiros ainda têm pouco acesso à informações inéditas. “A cobertura é diferente, porque aqui temos a oportunidade de gerar conteúdo exclusivo. Em geral, os jornalistas que cobrem os torneios internacionais só reproduzem material já produzido” comenta Nicola.

Torcedor em campo

Assistir a um jogo no estádio é uma experiência completamente diferente de assistir na tela de casa. O grito da torcida, o sentimento de coletividade, como se juntos os torcedores pudessem empurrar os jogadores. Juntos eles comemoram, juntos eles sofrem, há momentos em que até a respiração parece estar no mesmo ritmo. Toda essa vibração passa para o time em campo, ao vivo.

 

Mas para torcedores de clubes de fora do pais ver seus ídolos pela lente das câmeras é a única opção.A pesar da “vibração” ser menor, no sentido coletivo, a vantagem é que a violência também é menor. Como o jogo esta distante, a rivalidade não é tão à flor da pele como nos estádios.

 

Essa tranquilidade é característica do torcedor dos times extrangeiros aqui, como comenta a psicologa Ana Cristina Kuhn Pletsch Roncati da Puc de Campinas, “tem aquele torcedor que é um expectador pela televisão, ele gosta de assistir um jogo, ele tem uma preferência por um time, ele gosta, ele dá palpite, mas o contato com o time mesmo é muito distante, é pela televisão principalmente, pelos jornais, e o que o mantém assistindo  vários jogos tem a ver com a reunião de amigos de estar num bar”.

 

É nesse contexto que os pubs, estabelecimentos típicos da cultura inglesa tem se crescido, principalmente em São Paulo. Mas esses estabelecimentos não remetem somente à Inglaterra, quando estão reunidos em um Pub os torcedores sentem que estão em um pedacinho da Europa, e fazem parte do universo de seus clubes.Esses ambientes são pensados para isso, “Vocês viram a quantidade de bares que proliferaram que são de esportes, que transmitem esportes que são equipadas com telões” completa Ana Cristina.

Porém, o fato dos torcedores daqui não expressarem sua rivalidade com tanto vigor, não quer dizer que as torcidas desses times na europa sejam tranquilas. Assim como nas torcidas organizadas brasileiras as torcidas de fora também geram confusão e violência por causa do futebol. Segundo a psicologa o "fenômeno das massas" mais do que as pré-disposições individuais pode levar a este tipo de atitude, "então o que acontece quando você esta em uma turma e acontece uma pancadaria e você não e um sujeito violento na sua vida,mas na hora que tem lá alguém deitado no chã você pega um pedaço de pau e da uma paulada na cabeça dele porque esta todo mundo fazendo aquilo"

Certificado de Torcida Oficial do Manchester United
Certificado de Torcida Oficial do Manchester United         | Fonte: Facebook
Foto de divulgação Barcelona

Sem violência...aqui

Mas a paixão dos torcedores não é suficiente para manter os gastos e gerar os lucros bilionários dos clubes de futebol. Para manter sua saude financeira os clubes precisam de patrocinadores. A Chevrolet é parceira dos maiores clubes de futebol do mundo. Pela tradição do clube e o comprometimento da Chevrolet em incentivar o bom futebol, a empresa firmou o acordo  de longa data: até 2021 a empresa se será patrocinadora oficial dos Red Devils. O contrato, aliás, é o mais valioso do mundo, estimado em US$ 80 milhões.A intenção da marca em fechar parcerias como essa é tentar criar uma comunidade em torno do universo futebolístico.

No Brasil, a atual renovação do Corinthians com a Caixa garantiu ao clube alvinegro a primeira colocação do ranking que leva em condideração os maiores valores de patrocínio do futebol nacional. Flamengo em segundo e Vasco em quinto também tem sua camisa patrocinada pela estatal. Palmeiras, Atlético-MG, Internacional e Grêmio também estão no ranking. .

Em relação ao Manchester United e a Chevrolet, o  gerente de marketing da marca, Felipe Manenti, conta que a empresa tem muito em comum com o clube e que o futebol é uma das vertentes mais fortes para estabelecer a confiança da empresa no mercado.

Briga entre torcedores do Tottenham e Arsenal em março deste ano

Querendo ou não, fato é que as campanhas publicitárias e todo o investimento para divulgação e expansão de uma marca impacta diretamente no consumo e consequentemente no surgimento de novos produtos e também torcedores. No caso da força dos clubes europeus, principalmente, que chegam no Brasil foi feita uma pesquisa que comprova que em em menos de cinco anos a quantidade de jovens torcendo para clubes de fora teve um aumento de 64% para 69%

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FINAL CHAMPIONS LEAGUE

2016

Às 13 horas de sábado, 28 de maio de 2016, a fila na bilheteria do cinema do shopping Eldorado dava voltas, apinhada de pais, crianças, idosos e casais de namorados, prontos para comprar seus ingressos e assistir a um filme.

No entanto, nada anunciava que em uma das salas daquele cinema, no mesmo dia, mais tarde, a final da Champions League seria exibida para torcedores e amantes de futebol europeu. Ninguém com camisetas de futebol, cornetas, apitos, fantasias ou copos de cerveja, como é normal em estádios de futebol.

Mas uma olhada atenta denunciava o porquê: no painel com os horários dos filmes a serem exibidos, um único horário piscava, marcado em vermelho e com um grande “ESGOTADO” escrito ao lado. Era justamente a sessão da “final da Champions League”, cujo ingresso tinha o valor de R$ 60,00.

Sorte a minha que eu já tinha comprado o meu ingresso e o da repórter Bárbara Saryne pela internet. Mas, mesmo pagando meia entrada, confesso que achei o valor um tanto caro, sendo quase o dobro do preço que costumo pagar para ver filmes em 3-D, por exemplo.

Como ainda era cedo - faltavam quase três horas para o início da transmissão especial do campeonato e quase 4 para o começo da partida -, decidimos conversar com a gerente do cinema local, que pertence à rede Cinemark, para tentar entender de onde saiu essa ideia de exibir futebol em um local tão inusitado quanto cinemas.

Monique Campos (29) é morena e nos recebe próximo à fila de entrada das salas de exibição. A exibição de partidas de futebol de grandes campeonatos já acontece há dois anos. Durante a Copa do Mundo de 2014, alguns jogos também foram transmitidos no cinema, com salas lotadas e ingressos esgotados, como no jogo do dia.

“Vendemos muitos ingressos na Copa. Então, o Cinemark comprou alguns direitos a fim de exibir conteúdos alternativos, não só com o futebol, mas com outras programações, como espetáculos de ópera, por exemplo. Achei uma ótima ideia porque atrai um público diferenciado”, conta Monique.

Era justamente esse público diferenciado que estava nos deixando curiosas. Há uma grande variedade de estádios de futebol na cidade de São Paulo e em muitos deles, os ingressos são até mais baratos que a entrada do cinema. Sem falar em bares e pubs que tradicionalmente exibem as partidas. Quem é que vai ao cinema para ver futebol?

Os times que iriam disputar a final, o Real Madrid e o Atlético de Madrid, são dois tradicionais  clubes espanhóis que já tem uma certa rivalidade consolidada. Além disso, a segurança dentro de estádios e as brigas entre torcedores dentro de estádios são cada vez mais discutidas.

Mesmo assim, essa rivalidade não incomoda a gerente “nunca tivemos problemas com segurança. Acredito que, por ser time de um país do exterior, isso não aconteça aqui. A ideia é promover uma reunião de amigos e não uma disputa”, afirma.

Quando o projeto começou, apenas dois cinemas exibiam os jogos de futebol. Hoje já são 8 salas transmitindo jogos ao vivo e com narração especial. Para Monique, “exibir jogos de futebol em salas de cinema é uma tendência do mercado. Acredito que, no futuro, até jogos do Campeonato Brasileiro poderão ser transmitidos no cinema.”

Mas a ideia de exibir partidas clássicas como Corinthians e Palmeiras arrepia a gerente. Ela acredita que, em casos como esse, uma organização especial teria de ser feita. “Talvez separar as torcidas em shoppings diferentes. Um exibe o jogo para a torcida de X e outro exibe para a torcida de Y”, reflete Monique.

Enquanto encerrávamos nossa conversa com Monique, um homem alto, negro e careca estava se aproximando de nós, perto da área das filas do cinema, como se também quisesse conversar com Monique. Sem sucesso, ele é interrompido diversas vezes por dois ou três meninos, que pedem para tirar fotos e para que ele assine autógrafos. Não tínhamos ideia de quem ele era e, a princípio, achamos que poderia ser um jogador de futebol de um time brasileiro.

Em sua área, o cinema do Shopping Eldorado tem uma espécie de lounge, com poltronas e banquinhos, além da tradicional lanchonete do cinema, com aquele cheiro de pipoca com manteiga que permanece no nariz muito depois de você ter saído do local. É nesse espaço que começamos a sentir um pouco do clima futebolesco, aquela sensação de estarmos em um estádio de futebol.

Dois meninos estão sentados em banquinhos no lounge, vestidos com camisas do Real Madrid, olhando atentamente para o homem sendo assediado por outros jovens. Lucas Mendonça tem 20 anos e é estudante de engenharia. Ele decidiu levar seu irmão, Vinicius Pereira, de 14 anos, no cinema.

“Gosto da sensação de ver o jogo na tela grande. É como se estivesse todo mundo reunido em casa para ver, mas com muito mais gente”, conta Lucas, que torce para o Real Madrid desde o time do Gallactus, com jogadores como Ronaldo e Roberto Carlos. No Brasil, ele torce para o Corinthians.

Como estava acompanhado do irmão, menor de idade, Lucas decidiu não ir em um barzinho para assistir à partida. Além disso, “o barzinho exibe qualquer joguinho, no cinema não, no cinema são só os jogos especiais.”afirma Lucas. Essa também é a razão pela qual o estudante universitário não se importa com o preço da entrada “esse é um jogo que acontece uma vez na vida. O preço não importa.” completa.

Se tivesse que escolher entre Corinthians e Real Madrid, Lucas confessa que torceria mais para o Timão. Ele conta, inclusive, que se as partidas do time alvinegro fossem exibidas no cinema, ele iria para ver o clube. “Mano, se mostrasse uma final do Corinthians na Libertadores, eu totalmente viria para vê-los!”, conta, pulando de ansiedade.

Já Vinícius, o irmão de Lucas, ficou calado por quase toda entrevista, sem tirar os olhos do moço que ainda não sabiamos quem era e que não parava de tirar fotos com outras pessoas. “Eu vim mais porque ele insistiu e porque o Lize disse que ia vir!”, diz, pegando mais pipoca de seu pacote.

Eu e Bárbara nos entreolhamos, sem saber quem era Lize e não querendo mostrar isso para o entrevistado. Esperto, apesar de parecer que não estava prestando atenção, Vinicius nos olha e completa “Lize é o youtuber ali na frente”, diz, apontando para o moço dos autográfos. “Ele grava vídeos jogando Fifa num canal no Youtube. Ele ensina truques e jogadas e tava falando no último vídeo que ia vir para esse cinema, para ver o jogo.”, completa.

Descobrindo todo um novo nicho, decidimos aproveitar que Lize não tinha ninguém em sua volta para entrevistá-lo, mesmo sem saber quase nenhuma informação sobre ele. Em uma pesquisa em casa, descobrimos que o canal Fifalize tem quase 200 mil inscritos e mais de 1.315 vídeos publicados. Em seu último, publicado ontem (28.Mai.2016) entitulado “Fifalize Vs. Adolfo - Rodada 6 - Liga dos Youtubers 2016” tem quase 35 mil visualizações.

“Estou super empolgado com a exibição do jogo no cinema do Cinemark, esses são os melhores cinemas e eu queria muito que fosse aqui”, afirma Lize. Perguntamos se ele tem algum tipo de ligação com a rede de cinemas, já que defende muito a qualidade do local. Ele responde que não.

Lize não acha nada estranho um cinema exibir jogos de futebol. Para ele, “exibir jogos no cinema e ter torcedores brasileiros gostando de times de fora é parte da globalização do futebol no mundo”, afirma.

Mesmo sendo uma partida de grande importância histórica, Lize acredita que o preço está abusivo. Ele esperava que mais pessoas viessem, mesmo com a sala esgotada. “Tenho muitos seguidores e avisei no canal que ficaria aqui fora, para tirar fotos com quem não conseguiu ingresso”, explica.

No Brasil, Lize torce pelo Santos, de times estangeiros ele prefere o Machester City, mas nesta partida ele estava torcendo pelo Atlético de Madrid, o underdog da competição. Sobre rivalidade na sala de cinema, Lize acredita que não acontece. “O máximo que pode ter é uma zoeira, mas dúvido que rivalidade grande, como é em estádio aconteça. Acho que nem se fosse time brasileiro, nós teriamos disputas”, afirma.

Enquanto conversávamos, dois garotos circulam Lize e parecem irritados com nossa presença ali, como se estivessemos os atrapalhando. Assim que terminamos a entrevista, Lize é atacado pelos garotos e nós somos atropeladas pelas mães, que queriam tirar fotos.

“Quando meu filho contou que ia ter jogo de futebol no cinema, eu achei super esquisito”, diz Fernanda Silva (40), gerente de vendas e marketing. Eenzo, seu filho, tem 14 anos e insistiu para vir ao cinema com o amigo Pedro, de 10 anos, que também foi com a mãe, Andrea Nunes (36), gerente de atendimento. “Eles são loucos por esses youtubers. Assistem ele o dia inteiro e, quando compramos os ingressos, compramos perto da cadeira em que o Lize vai sentar”, completa Fernanda.

As mães não tem medo da possível rivalidade dentro das fileiras do cinema. Andrea Nunes, mãe de Pedro, ficou tranquila ao deixar o filho na sala. “Ele está acostumado a frequentar o estádio. Eu o levo desde pequeno. Quem gosta de brigar são algumas figurinhas carimbadas. A preocupação é na saída, por isso trouxe meu notebook para trabalhar aqui, enquanto espero o jogo acabar”, contou.

Faltam cerca de quarenta minutos para o jogo começar e a entrada já está liberada. Por isso, Pedro e Eenzo já esperam do lado da entrada, enquanto se despedem das mães. Pouco antes de entrarmos na sala para a partida, vemos as duas mães sentadas em um restaurante perto do cinema, com os computadores abertos. Trabalhando, como prometido.

Muitas camisetas do Real Madrid passam pela entrada do cinema, ostentando o orgulho de quem já havia ganhado 10 finais daquele campeonato. Só uma camiseta do Atlético de Madrir é avistada por nós e ela pertence ao professor Emerson Santos (38).

Palmeirense de carteirinha, Emerson se declara como torcedor do Atlético “menos pelo Atlético em si, mas mais por torcer contra o Real Madrid, que já tem 10 desses títulos. Estou torcendo contra o adversário mesmo”, conta.

Desde que o Cinemark começou a vender ingressos para o futebol no cinema, que Emerson tentava conseguir ingressos. Só desta vez teve sucesso. Pelo feriado de Corpus Christi, que aconteceu na quinta feira anterior, ele esperava que o cinema não lotasse.

Emerson gostaria que o Campeonato Brasileiro tivesse o mesmo “revezamento de cidades” que a Champions League tem. “Acredito que passar o jogo no cinema, quando tudo fica na brincadeira e o pessoal se permite torcer, talvez desse certo exibir jogos do Brasil”.

Cléber Oliveira, estudante e torcedor do Real Madrid, estava por perto e ouviu nossa conversa. “Torço para o Real Madrid e super entendo essa coisa de torcer contra, é bem característico de Palmeirense mesmo!”, os risos de Cléber e Emerson se juntaram, comprovando o clima de “zoação” da partida. Aproveitando a deixa, Emerson se prepara para entrar na fila. Agora, faltam só 15 minutos para a exibição iniciar.

“Desde pequeno torço pelo Real Madrid, só lembro de quando tinha Zidane e Ronaldo. Isso me marcou muito” conta. No Brasil, Cléber é Corintiano e não se incomodou com o preço do ingresso, porque “entendo que o negócio está começando e que eles querem garantir um lucro”. Sobre a possibilidade de ver partidas do seu time do coração no cinema, ele completa “eu veria os jogos do Corinthians em qualquer lugar.”

Cléber acredita que exibir jogos e todo tipo de esporte no cinema deve se tornar comum no futuro. Ele considera até trocar a ida em estádios e em bares pela ida no cinema “uma vez ou outra.”

Agora falta pouco. Nos encaminhamos junto a Cléber e seus amigos, Bruno Novais e Alexandre para a fila, para entrarmos no cinema e entender um pouco mais do que acontece dentro da sala. Lá, a expectativa de harmonia se concretizou. Embora a torcida do Atlético de Madrid tenha sido maior que a do time rival, as piadas foram levadas na esportiva. “Quando o Cristiano Ronaldo levou falta, o pessoal gritou: ‘aaah, coitadinha’ (risos)”, contou Bruno.

BARCELONA
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